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Classificação de Gêneros e Estilos Musicais: um ensaio etnomusicológico.


INTRODUÇÃO

Devido aos diversos questionamentos levantados quanto à classificação de gêneros e estilos musicais adotadas pelo mercado fonográfico brasileiro, escolhemos como objeto de estudo desse ensaio a Livraria Saraiva do Shoping Iguatemi, em Fortaleza/CE , tendo o intuito de lançar um olhar crítico à forma que essa empresa classifica e define os diversos gêneros e estilos musicais, preestabelecendo conceitos classificatórios ao público que a frequenta.



ENSAIO


Desde o lançamento da primeira música considerada como samba, o sucesso Pelo Telefone, até a realidade digital de compra e venda de músicas pela internet, o mercado fonográfico brasileiro tem visto surgir gêneros e estilos musicais diversos. Os grupos surgem e logo são enquadrados em um determinado rótulo dado pela indústria da música , indústria essa que envolve: gravadoras, produtoras, publicadoras, distribuidoras e casas que comercializam seus produtos.

Mesmo com o advento dos selos independentes, das pequenas produtoras e da divulgação de músicas pela internet , o poder da grande indústria em definir e categorizar os grupos recém surgidos ainda permanece hegemônico, fazendo parte do senso comum o conhecimento de determinada banda como estilo pop rock porque a gravadora o divulgou como tal.

Nessa cadeia, formada pela Grande Indústria da Música, encontramos quem ainda permanece como vitrine de exposição e braço mais próximo do público na compreensão classificatória de um estilo ou gênero : o varegista, ou seja, a loja de discos ( cds, dvds). São nas lojas que podemos compreender um pouco como o mercado musical define suas vertentes, para assim entendermos o processo de construção de definições musicais entre os consumidores de música.

Numa visita investigativa à Livraria Saraiva Megastore do Shopping Iguatemi em Fortaleza, percebemos no primeiro contato a falta de critérios na classificação , ao ponto de encontrarmos diversas vertentes musicais em uma mesma seção, e como também uma variedade ofertada ao mercado brasileiro, de música estrangeira, na maioria música norte americana. De início, exploraremos quanto à falta de critérios na organização dos setores.

Em vários momentos da nossa visita nos questionamos o porquê de tanta indefinição e falta de clareza no reconhecimento dos diversos gêneros e estilos dentro do mesmo. Por exemplo, a seção de Pop Rock Internacional, onde encontramos artistas como Lady Gaga, Madonna, Celine Dion, Mariah Carey, Whitney Houston e Michael Jackson, considerados como artistas ícones Pop ao lado de Nora Jones, reconhecida mundialmente como um nome ligado ao blues, BG, um cantor gospel e, o mais absurdo, o grupo Pantera.

A questão do gênero na música segue alguns fatores semelhantes à definição de gêneros em geral. Para chegarmos a rotulação de um grupo ou artista em um determinado gênero é preciso observar uma série de elementos em comum, tais como: texto, instrumentação, função, estrutura, contextualização . Essas observações são feitas com o intuito de objetivar a classificação, mas vemos que os fatores mercadológicos interferem nessa visão.

Claramente, encontramos elementos contrastantes ao compararmos um grupo como o Pantera e uma cantora como Celine Dion, nos deixando diversos questionamentos, já que ambos compartilham linguagens distintas e direcionamentos a públicos distintos.

Até que ponto poderíamos taxar de desorganização os erros classificatórios encontrados aqui, ou de puro jogo de marketing, ou de apenas falta de conhecimento de gêneros e estilos musicais dentro da Livraria Saraiva ao ponto de sentirmos tamanho despreparo na arrumação dos produtos?

Poderíamos atribuir a mera desorganização, talvez não fomos em um bom dia, o gerente pode ter se descuidado da organização das prateleiras, muitas vendas, falta de pessoal suficiente.

Pode-se atribuir a puro jogo de marketing, no qual ferramentas são usadas para comercializar uma visão muitas vezes pessoal de um artista massificando a suas características, já que dentro de um mundo globalizado a homogeneização cultural é comum sufocando a identidade artística.

Outra atribuição deve-se à falta de conhecimento dessa diversidade de elementos musicais que definem um gênero. Assim padrões próprios são estabelecidos pela loja por falta de informações do que é intrínseco a cada gênero.

Voltemos ao nosso primeiro exemplo de claro erro classificatório. A Banda Pantera um grupo de Trash Metal gênero surgido dentro de outro gênero, no caso o Rock, segue padrões rítmicos , melódicos, harmônicos e temáticos ( elementos intrínsecos ) completamente discrepantes ao Gênero Pop de Celine Dion, bem como os elementos extrínsecos : forma de vestir-se, padrões de imagem nas divulgações e comportamento social inversos ao da cantora. Até o mais leigo ouvinte ao comparar as capas dos cds de ambos os artistas distinguiria essas diferenças, sem se fazer necessário conhecimento do conteúdo auditivo.

Devido ao homem ser o centro do fazer musical, isso interfere diretamente na dinâmica dos gêneros e estilos. Um gênero, ao surgir, tem consigo uma série de códigos internos e externos que são associados ao mesmo gerando sua classificação coletiva e individual. Mas, o constante movimento cultural , social e histórico do homem faz esse gênero apresentar variações, ou seja estilos, diferentes, estilos esses que com o tempo ganham características próprias tornando-se um novo gênero.

Na seção definida por gênero Rock são encontradas diversas das suas vertentes , subdivisões, que tornaram-se gêneros próprios tais como: Heavy Metal, Alternativo, Progressivo, Hard Rock entre outros. Todos tem uma mesma fonte mas ganharam nova codificação devido as suas nuances musicais, culturais e sociais. No caso, apenas um conhecedor profundo de Rock e de seus subgêneros saberia distinguir suas divergências. Um ouvinte de Punk Rock reconhece minuciosamente um artista do seu gênero , nunca confundindo-o com um de Heavy Metal, o que para um vendedor da loja poderia parecer o mesmo grupo musical.

Entra, nesse caso, o fator classificatório associativo, quando um indivíduo se identifica com um código coletivo. Ambos gêneros musicais: Punk e Heavy; além de serem códigos musicais diferentes também são distintos social e culturalmente. Indivíduos se identificam com seus elementos de forma pessoal formando uma coletividade em um determinado período histórico e influenciam futuras gerações a seguirem o mesmo caminho. Ao olharmos numa simples estante letreiros escritos : Rock Roll. Heavy Metal, Hard Rock, não imaginamos a quantidade de signos e distinções que eles carregam em si, e como determinados grupos os conhecem bem.

Outra problemática encontrada dentro da Livraria Saraiva foi quanto o próprio reconhecimento da nossa própria identidade cultural. Dentro da seção de World Music, rótulo dado a todo disco estrageiro ( menos os americanos), encontramos artistas brasileiros como Caetano Veloso e João Gilberto, soando de grande estranheza tal definição, e de completa dificuldade em definir o termo MPB -que veremos mais adiante.

O termo World Music é considerado um grande vilão quando o assunto é classificação musical, já que se atribui a ele desde o que não se encaixa em nenhum padrão ou forma generalizada, a exemplo, músicas folclóricas africanas; até gêneros musicais conhecidos como pop contanto que sejam executados por artistas estrageiros . Salvo a música norte americana, que não entra nesse rótulo, sendo classificada como pop internacional .

Uma imensa lacuna surge em nossas mentes: o que seria música do mundo ? Seria qualquer tipo de expressão musical de um país que não seja o nosso ? Ou qualquer grupo ou cantor inclassificável aos padrões comerciais ? O que não é comercial seria world music ? Por que os discos americanos não caem nesse rótulo ? João Gilberto e Caetano são artístas que se encaixariam nesse rótulo ?

O termo World Music surgiu para definir Música Folclórica feita no seu país de origem, mas ganhou notividade ao definir gêneros musicais estranhos a nossa cultura local. Na maioria dos casos, o disco definido como tal é considerado excêntrico e estranho ao padrão comercial , já que vemos muita Música Instrumental , não tão vendável, sendo classificada como World Music.

Numa sociedade globalizada no qual padrões massificantes tem dominado o mercado fonográfico, não é estranho nem excêntrico encontrar gêneros do pop americano como o Hip Hop, a Dance Music; pois fazem parte do nosso cotidiano musical. Nos identificamos com ícones da música americana : Britney Spears, Beyoncé e Rihana.

O fato de termos tamanha identificação com essa cultura americana gera um estranhamento e distanciamento de quem nós somos. Ao ponto de classificarmos a nossa Bossa Nova como estrangeira.

Num país de diversidade continental como o Brasil, historicamente colonizado por culturas européias, povoado por diversas nacionalidades ( imigrações ) ,a construção da nossa identidade musical tem vindo através de um longo e árduo processo. Isso é refletido na forma como essa “nossa” música é vista e comercializada.

A grande MPB, que até anos atrás definia um gênero específico dentro da musica brasileira - a música ouvida pelas massas urbanas de classe média na década de 60 ; tornou-se um grande gênero de onde saem diversos e variados subgêneros tais como: Samba, Bossa–Nova,Chorinho... Encontrando inclusive alguns autores classificando Axé e Sertanejo como gêneros da nossa Música Popular.

Essa última visão é abertamente propagada pela mídia e pela grande Indústria da Música. Tornou-se comum vermos artístas como: Ivete Sangalo , Daniella Mercury, Bruno e Marrone, Leandro; ocupando a mesma seção de: Gilberto Gil, Chico Buarque e Edu Lobo. Abrindo latentes questões etnomusicológicas quanto aos nossos gêneros musicais . Quais são? Como classificá-los? Como se caracterizam ? Onde estão ? Quem os fazem ? Como o público vê essas diferenças ? Como o ouvinte se associa a algum gênero ?

Ao visualizarmos a prateleira tida como MPB, enxergamos o tamanho desconhecimento de quem somos e de qual música fazemos . Há uma urgente necessidade de estabelecermos critérios classificatórios da nossa música popular , para que um simples letreiro colocado por uma empresa que dita padrões mercadológicos não seja o limite musical que categorize e determine um gênero musical da nossa Música Brasileira.




BIBLIOGRAFIA


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IKEDA, Alberto T. Pesquisa em Música Popular Urbana do Brasil: entre o intrínseco e o extrínseco. In: Actas del III Congresso Latinoamericano de La Asociación Internacional para el Estúdio de la Música Popular. 2000. Disponible em: http://www.his.puc.cl/historia/iaspmla.html


SEEGER, Anthony. Sinais Diacríticos: Música, sons e significados. USP, 2004.


TINHORÃO, José R. Pequena história da Música Popular Brasileira: da modinha a lambada. 6ª edição, Art Editora Limitada, 1991.


WANE,Bonnie C. Thinking Musically: Experiencing Music, Expressing Culture. Oxford University Press,2004. p 129-151.


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